19 fevereiro 2006
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O dever da preguiça

Deise Recoaro e Marcelo Gonçalves

     Acordar cedo, enfrentar o trânsito de São Paulo ou ônibus lotado. Atender três pessoas ao rnesmo tempo na urgência, dando uma volta de 360° graus na cadeira. É telefone, cliente, pepino para resolver, sem contar a pressão para vender. Enfim, uma loucura.
     A leitura do artigo “O dever da preguiça”, de Thierry Paquot, nos levou automaticamente a refletir sobre a situação dos bancários e bancárias. Cada vez mais aumenta o número de pessoas com síndrome do pânico nos bancos, devido ao ritmo alucinante de trabalho. Falar em preguiça pode parecer um insulto, uma injúria, um pecado para alguns. Mas também pode significar alívio, prazer e arte para outros. É o que podemos sentir em uma das estrofes do poema Liberdade, de Fernando Pessoa:

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!

     Esse sentimento está também na malícia e criatividade do personagem Macunaíma, “o herói de nossa gente”, de Mário de Andrade que, num suspiro profundo, desabafa:

- Ai!... que preguiça!

     A preguiça foi durante muito tempo, segundo a igreja, classificada como um dos sete pecados capitais. O ócio é visto como um atentado contra o trabalho que, por sua vez, gera toda a riqueza que, por sua vez, é mal distribuída. O religioso mistura-se com o econômico para justificar a condenação do homem e da mulher ao trabalho. “AIto lá, cara pálida! E do que é que eu vou sobreviver?”, você deve estar se perguntando. Pois bem, não se trata aqui de acabar com ou destruir o trabalho, até porque isso é impossível. Mas de refletir sobre a ideologia criada em torno do trabalho, para que e para quem essa ideologia está servindo.

     E, mais importante que isso, é calcular esse trabalho no tempo. Quanto tempo é necessário para desenvolver um determinado trabalho? Qual o tempo que o ser humano necessita para sua liberdade? O autor do artigo propõe que troquemos o trabalho pela habilidade de fazer uma obra.

     O trabalho tem extrapolado sua jornada “normal”. Somos obrigados a pensar, planejar nossa atuação no banco até mesmo aos domingos, durante a macarronada, “quem sabe aquele tio ou aquela cunhada não quer comprar um plano de previdência ou um seguro da casa?”.

     E quando chega o sagrado “tempo livre” das férias optamos pelos famosos pacotes de viagens. Somos submetidos ao “esquema” dos guias turísticos: acordar em tal hora, tomar café até tal hora, subir no ônibus no horário, divertir-se num determinado período, subir no ônibus de volta e dormir cedo para não perder o tempo do dia seguinte. Ora bolas, mas o tempo não deveria ser livre?

     Temos que destruir o dogma do “tempo é dinheiro” e construir uma nova relação com o tempo, conforme defende Thierry Paquot: “O tempo é um valor que não tem preço, desde que dele possamos dispor para o lazer precisamente. (...) Lazer significa ter tempo para si, não para um fim específico, mas para se fazer o que bem se queira. É, de alguma forma, um tempo de liberdade, e não um tempo livre”.

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