Norberto Kawakami

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    O Ponto de Encontro dos Blogueiros do Brasil



 

  04 fevereiro 2006
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Trecho do Livro do Desassossego - Bernardo Soares

     Releio passivamente, recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento, aquelas frases simples de Caeiro, na referência natural do que resulta do pequeno tamanho da sua aldeia. Dali, diz ele, porque é pequena, pode ver-se mais do mundo do que da cidade; e por isso a aldeia é maior que a cidade...
“Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura.”

     Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de as ler, chego à minha janela sobre a rua estreita, olho o grande céu e os muitos astros, e sou livre com um espelndor alado cuja vibração me estremece no corpo todo.
“Sou do tamanho do que vejo!”

     Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo.
“Sou do tamanho do que vejo!”

     Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se refletem nele, e, assim, em certo modo, ali estão.
     E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objetiva dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando.
“Sou do tamanho do que vejo!”

     E o vago luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago azul meio-negro do horizonte.
     Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvajaria ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.
Mas recolho-me e abrando.
“Sou do tamanho do que vejo!”

     E a frase fica-me sendo a alma inteira, encosto a elatodas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.

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